Já fiz diversos tipos de evangelismo, ações nas ruas durante o dia, em praças , parques, calçadões, estabelecimentos, entre outros, também frequentemente visito asilos e orfanatos e participo de ruas de recreação com crianças em comunidades de alta vulnerabilidade social, em meio a locais de tráfico de drogas; sempre utilizando técnicas lúdicas de aproximação, como dança, teatro, coral, e o mais frequente o nariz de palhaço.
No entanto, foi minha primeira saída para evangelismo e ação social com pessoas em situação de rua; sempre tive curiosidade em participar de uma ação como esta, mas tinha certo receio, e esta foi a oportunidade que o Senhor colocou em minhas mãos, talvez em outro momento eu não tivesse maturidade espiritual suficiente para participar e saber que lá é o campo do inimigo, não é um local qualquer, não teremos batalhas físicas, mas ocultas, e é uma guerra a se estar muito bem preparado afim de não sofrer retaliações, algo que hoje entendo bem.
Permaneci orando em espírito o tempo todo, pedindo que o Senhor nos protegesse de qualquer mal que pudesse se levantar contra nós, que nos enviasse apenas as pessoas que estivessem em Seu plano e conforme a capacitação de cada um, que preparasse seus corações para receber a mensagem que iríamos transmitir e que nos usasse como instrumentos de modo que somente falássemos o que Ele mesmo quisesse através de Seu Espírito Santo.
Enfim, chegando ao local, foi tudo muito diferente da minha expectativa; acostumada a encontrar moradores de rua por aí mendigando ou exigindo coisas, me deparei com pessoas comuns, simples, vivendo em uma situação precária. É certo que muitos tinham usado ou usariam droga naquela noite, mas os que nos receberam foram muito amigáveis e sedentos. Também nos deparamos com muitas pessoas bem vestidas, bem apresentáveis na aparência, entre jovens e idosos, solteiros e casais, cada um com uma história diferente de vida, alguns recém chegados na cidade, alguns desempregados e com família longe, outros já estão nas ruas há muito tempo e outros possuem trabalho fixo, mas não moradia, acostumados a viver daquele jeito.
Foi possível sentir a dor de cada um, por mais diferente que fossem suas histórias, seus vícios, suas “prisões”, seus medos, suas fraquezas.
Era tocante quando pediam mais um pouco de alimento porque estavam há horas sem comer, ou porque desejavam guardar para o café da manhã, havia ainda os que pediam por outros, demonstrando a solidariedade entre eles, são como uma família, apesar de desconhecidos, cada local tem a sua, eles se protegem e se defendem, parece não haver disputa pelo melhor, cada um compartilha da dor uns dos outros e conhecem seus estados momentâneos, nos orientando quando não devemos acordar alguns.
Após sairmos de cada local ainda nos encontramos novamente com alguns do local anterior, trazendo novos colegas para receber um lanche ou pedindo que nos deslocássemos até determinado local onde haviam mais pessoas na mesma situação. Não se via egoísmo, somente humildade e solidariedade.
Muitos ali recebem ajuda diária de outros grupos de ação social, inclusive cristãos, e quase sempre estão ouvindo o evangelho ser pregado a eles, mas suas forças estão exauridas na busca por ajuda, a única ajuda imediata que eles pensam é na comida quando a fome aperta, no demais permanecem em suas rotinas, sobrevivendo da maneira que dá; no fundo eles querem ajuda, mas por reconhecerem os esforços para tal, as mudanças e sacrifícios que precisarão fazer para que a ajuda se torne real, acabam cedendo à zona de conforto, mesmo não sendo tão confortável, seus corpos já acostumaram e, por costume, acabam indo a práticas nada saudáveis, alimentando vícios que lhes custam muito mais do que imaginariam ao ter entrado nesta vida.
Em suas histórias já não se sabe distinguir o que é real, o que é invenção para comover e o que é demência em decorrência de efeitos das drogas.
Independente do motivo que os levou a permanecer nas ruas, é possível sentir o clamor das almas sedentas por socorro, e o único socorro permanente e verdadeiro é Jesus, e compete a nós, cristãos, fervilharmos do amor do Pai para nos aproximarmos de cada uma dessas almas carentes e apresentar-lhes, indefinidamente, perseverantemente, repetindo quantas vezes se fizer necessário, para que a semente lançada encontre finalmente um solo fértil e possa germinar. Confesso que não é fácil, nem todos estamos preparados para esta tarefa, é preciso conhecer seu chamado, analisar seus dons e deixar que o Senhor guie.
E para quem não tem este chamado em específico, há algo que se chama amor e perseverança, e este precisamos praticar, não importa o público, mas importa fazer.